Referência: Olivier de Sagazan
- Flavio Barollo
- 28 de abr.
- 4 min de leitura
Atualizado: 8 de mai.
Ontem à noite, me vi sentado na primeira fileira do Sesc, para assistir uma das minhas grandes referências artísticas: Olivier de Sagazan @sagazan. Sabia que seria uma experiência marcante, mas não sabia que viveria uma catarse!
O espetáculo performático é Transfiguration, de Olivier de Sagazan, trabalho muito conhecido a partir de suas videoperformances, ao vivo a gente acompanha o artista de terno e gravata passando por muitas transformações se tornando um ser de argila e tinta com múltiplas camadas.
Eu estava com meus parceiros da cena, Welligton Tibério e Odacy Oliveira. Sentado entre eles, senti meu próprio percurso artístico passar diante dos olhos, cairam várias fichas e percebi que toda minha trajetória artística como performer é totalmente atravessada pela experiência de ter assistido Olivier na tela do meu computador em 2013, início dos meus estudos na performance. E hoje em 2025 revisito tudo na presença.
Sagazan nasceu em 1959, em Brazzaville, República do Congo, e formou‑se em Biologia antes de trocar o microscópio pelo ateliê. A pergunta científica – “como matéria inerte vira vida?” – virou seu motor artístico: desde 1998 ele cobre rosto e torso com argila fresca, tinta, palha, numa liturgia que já percorreu mais de 350 palcos em 25 países. Seu ateliê fica em Saint‑Nazaire, na Bretanha, mas a sua pesquisa mistura escultura, pintura e dança num só gesto contínuo: esculpir‑se vivo para revelar o estranhamento de existir. E um jogo de máscaras incrível.
Assistindo de tão perto, compreendi o quanto essa poética contaminou completamente meu fazer artístico – desde minhas primeiras videoperformances inspirados totalmente nele em 2013, até os trabalhos atuais em 2025.
É como se cada trabalho que venho construído tivesse Sagazan presente nele. Reconhecer isso, e essa conexão anos depois, me arrebatou.
Ao final, demos aquele abraço caloroso de agradecimento, e iniciamos um contato.
A temporada dele no Sesc é curta: até 4 de maio, sextas e sábados às 19h, domingos às 16h, com sessões extras em Santos.
Os ingressos estão esgotados, mas ontem sobraram duas fileiras. Vá lá e não perca a chance de testemunhar esse rito raríssimo de metamorfose ao vivo.
Videoperformances Cor.po e Casulo
Continuando as reverências à Olivier de Sagazan @sagazan, em temporada aqui em São Paulo até dia 4/05, ainda sob o impacto da primeira vez que vi ao vivo Transfiguration, gostaria de aproveitar e expor a reverberação catártica que tive ao notar completa influência e conexão do meu trabalho com a sua criação. Me peguei distraído na plateia imerso na sua apresentação e de repente fichas caíram e um espanto: Olivier está totalmente presente na minha trajetória! Por conta disso, pela excitação e cura que isso trouxe ao meu corpo e de quebra pra encher o saco destes algoritmos viciados, caros seguidores, irei revisitar meus trabalhos sob este viés, atualizar o portfolio deste perfil, então terão que me aguentar um pouco mais!
Foi em 2013, quando cursava Estudos da Performance como ouvinte — nas Artes do Corpo da PUC‑SP com Lúcio Agra e Samira Brandão, e na USP com Beth Lopes — que assisti on‑line a Transfiguration. Tomado por aquele impacto, me tranquei em casa e comecei a experimentar um pouco da linguagem. Dessa imersão nasceram minhas primeiras videoperformances.
➡️ Cor.po (2013), videoperformance de Flavio Barollo
Um corpo nu se reconhece como tela viva. Primeiro, se pinta em tinta branca, se saturado desta cor que simboliza; em seguida, aplica as cores da bandeira brasileira que, ao escorrer e se misturar, transformam‑se num vermelho terroso, evocando sangue e terra. Dessa fusão nasce uma figura que extrapola seu estado inicial pré-estabelecido.
Foi meu primeiro diálogo direto com Olivier de Sagazan: a máscara de argila que ele modela em silêncio virou minha tinta que transfigura.
➡️ Casulo (2013), videoperformance de Flavio Barollo
Protegendo-se por ataduras de gesso, um corpo traz pra si uma couraça branca na cabeça. O silêncio é preenchido pelo som abafado da própria respiração, lembrando que o excesso de proteção também sufoca e cega. Quando o gesso endurece, fissuras aparecem. A escultura viva racha e revela uma figura transfigurada, humana, rompendo camadas que ela mesma construiu.
Bem, esses formam os primeiros experimentos inspirados no Sagazan. Fecho esta maratona em reverência a Olivier de Sagazan @sagazan reunindo num carrossel de fotos e vídeos, os trabalhos que criei entre 2015-2025, com o @securahumana
Todos ecoam a mesma provocação de Transfiguration: como um corpo, coberto por camadas de matéria e tecnologia, revela — e contesta — a civilização que o produz?
Despertei para duas conexões principais:
👉 Máscaras — filtros, snorkels, respiradores, máscaras de gás. Servem tanto para proteção e respiro em um planeta em colapso, quanto para desfigurar esse humano — criador/criatura.
👉 Materiais — água turva, limpa, terra fértil, galhos, argila química, fogo, pó e tinta branca. Ora deleite, ora veneno, todas as substâncias tocam a pele até não saber mais onde extravasa o ser e onde extrapola da Terra.
➡️ Ouro Branco: Lítio
Um CEO em transe exploratório cava até encontrar o “ouro branco”. Uma pasta leitosa branca cobre o rosto, terno, e tudo à volta. A máscara protege dos vapores tóxicos, da alquimia “verde”, enquanto a transforma o lítio em “ouro”. O branco, mais uma vez, criando novas fronteiras coloniais.
➡️ Mergulho no Rio Tietê
Máscara de gás, lama do Tietê. A água podre é a matéria; a tinta branca final sublinha um gozo egoico nos próprios dejetos.
➡️ Piscina do Fim do Mundo
Dois executivos mergulham numa piscininha infantil e se banham com terra, cimento, sucata, petróleo e sangue. Máscaras de gás “protegem” do ecossistema que estão consumindo/destruindo. Ao final, vestem seus ternos limpos e voltam ao escritório: a máscara social fecha o ciclo da hipocrisia.
➡️ Corpo‑Árvore
Máscara respiradora cai, galhos secos perfuram a derme, a terra cobre o corpo: corpo e árvore compostam‑se num só organismo, enquanto a máquina de fazer reviver uma árvore fracassa. Tudo vira adubo.
➡️ Parque Aquático Móvel
Snorkel, bombas, piscinas infláveis, mangueiras que trazem para o corpo o elemento fundante: água de nascente, lençol freático, água ainda limpa de rio, num ambiente de concreto e asfalto.
Agradeço por celebrar essa fonte de inspiração de uma carreira que foi Sagazan.🙏
Ele segue em cartaz no Sesc Belenzinho com Transfiguration só até domingo!
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